NÃO HÁ CONSENSO SOBRE ICMS NO TRANSPORTE DE CARGAS
Por: Ricardo Paz Gonçalves
Existem pouquíssimos consensos entre Tribunais, Fisco e empresários acerca de como se deve tributar essa atividade no âmbito do ICMS
1. Introdução: Não deveríamos nos referir ao "ICMS", mas sim aos "ICMS´s". Isso porque a Constituição Federal autoriza os Estados a instituir este tributo sobre operações relativas à: i) circulação de mercadorias; ii) prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal de cargas e de pessoas; iii) prestação de serviços de comunicação; e iv) importação de mercadorias do exterior.
Cada uma destas facetas do ICMS revela realidades próprias. Com efeito, o tributo que incide sobre transporte de cargas deverá atender a peculiaridades bastante diversas do tributo que incide sobre circulação de mercadorias, pois se tratam de atividades completamente distintas. Não obstante tal constatação, quis o legislador agrupar atividades tão distintas num único imposto atribuindo a ele algumas características comuns, entre elas a imunidade na exportação e a não cumulatividade, sendo esta última o objeto deste artigo.
2. Da não cumulatividade: A tal não cumulatividade, grosso modo, significa que o ICMS pago nas compras da empresa originará um crédito a ser compensado com o débito oriundo das vendas. Evita-se com esta técnica o chamado imposto em cascata. Ocorre, entretanto, que essa regra geral comporta uma série de exceções.
Uma delas, decorrente da lei que regula a matéria, é que não gera direito a crédito o ICMS pago nas compras de mercadorias ou serviços destinados ao uso e consumo da empresa adquirente, e quando o bem for destinado ao ativo permanente, o crédito será parcelado em 48 meses. Portanto, apenas o ICMS decorrente de insumos e bens destinados à revenda geram créditos integrais de ICMS a serem compensados com os débitos.
Entretanto, ao regular essa não cumulatividade, os legisladores federal e estaduais demandaram grandes esforços no sentido de prever regras relativas à faceta mais relevante e economicamente significativa deste imposto, qual seja, o ICMS mercadorias. Já o ICMS transportes não recebeu a devida atenção, originando dúvidas, divergências e incertezas às empresas do segmento.
Prova disto é que o Supremo Tribunal Federal declarou ser inconstitucional a incidência de ICMS sobre o transporte aéreo de passageiros pela razão de que inexiste norma legal que possibilite ao contribuinte pôr em prática a não cumulatividade prevista na Constituição Federal (ADIn 1600). Significa dizer, em outras palavras, que o legislador "esqueceu" de prever na lei como ocorrerá a não cumulatividade do ICMS no transporte de passageiros.
Vige entre nós uma situação bastante delicada quando instados a responder a seguinte questão: quais os insumos que geram créditos de ICMS na atividade de transporte rodoviário de cargas? Em outros termos, de maneira mais direta, poderíamos perguntar: combustíveis e lubrificantes geram direito a crédito de ICMS para empresas transportadoras de cargas? Vigem quanto à questão duas posições predominantes:
1) Há direito ao crédito uma vez que se tratam de insumos necessários a prestação dos serviços. Nesta linha interpretativa o direito ao crédito decorre da regra constitucional da não-cumulatividade, insuscetível de restrição pela via legal; e
2) Não há direito ao crédito uma vez que a transportadora ao adquirir combustíveis e lubrificantes posiciona-se como consumidora final destas mercadorias. Para esta linha interpretativa o direito ao crédito sobre combustíveis e lubrificantes para empresas que exercem a atividade de transportes é mero benefício fiscal passível de ser ou não concedido ao alvedrio do legislador estadual.
Muito embora a nós pareça equivocado, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul tem sustentado justamente a posição contrária ao direito de crédito na hipótese em comento. Para o nosso Tribunal, não havendo a revenda do combustível, e não sendo essa mercadoria objeto de operação jurídico-tributária subseqüente, há mero consumo final.
Felizmente o STJ tem se posicionado favoravelmente quanto à possibilidade do creditamento do ICMS relativo a insumos utilizados na prestação de serviços. Para esta Corte, a nosso ver com toda propriedade, é relevante a necessidade de se fazer distinção entre "uso e consumo" e "insumos", inclusive no caso da prestação de serviços.
No Estado do Rio Grande do Sul, muito embora de forma pouco clara, o Fisco Estadual parece admitir o crédito sobre combustíveis e lubrificantes na atividade de transporte rodoviário de cargas por conta de um dispositivo na Instrução Normativa 45/98. Ressalvamos, contudo, a existência de interpretação do TJRS em sentido contrário, e ainda o fato de que se a questão já foi debatida naquela seara é porque já houve precedentes de entendimento contrário por parte do fisco gaúcho. A insegurança, portanto, paira!
A questão fica mais tormentosa quando questionamos se a compra de pneus ou outras peças e partes que sofrem desgaste durante a prestação do serviço ensejam créditos de ICMS. As posições do fisco estadual e do Tribunal gaúcho são desfavoráveis, mas o direito ao crédito nos parece estar albergado pelo entendimento do STJ.
As incertezas não param por ai. Imaginemos uma transportadora com sede do Estado de Santa Catarina e filial em Mato Grosso. Esta empresa adquire combustíveis para sua frota no país inteiro, por onde passam seus caminhões. Pergunta-se: em qual filial deve se apropriar o crédito de ICMS decorrente da compra de combustíveis? A resposta infelizmente não é simples e não cabe neste modesto e despretensioso artigo. Aqui cabe apenas alertar que tais aspectos devem fazer parte da política tributária da empresa, ou como preferimos chamar, trata-se de uma decisão de governança tributária.
3. Conclusão: Inúmeros outros aspectos relacionados ao ICMS transportes são controvertidos e polêmicos. A eles reservaremos espaço em artigos futuros. Por hora nos cabe afirmar a triste constatação de que em nossas atividades profissionais jamais vimos duas empresas de transportes apurando o ICMS com base nos mesmos critérios interpretativos. Esse contexto prejudica a livre concorrência e merece atenção das autoridades públicas e dos empresários.
Ricardo Paz Gonçalves é advogado, sócio da Affectum Auditoria e Consultoria Empresarial e da SPGonçalves.
Fonte: Revista Consultor Jurídico
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